sexta-feira, 19 de julho de 2013

NABIL BONDUKI

*Graduando em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie
Este é o terceiro dos quatros posts da série sobre os problemas da cidades brasileiras no texto de autores reconhecidos. Aqui, eu tomei liberdade de extrair as principais partes de um artigo publicado pelo professor Nabil Bonduki para o Le Monde Diplomatique, já que o texto original era longo. Publicado em junho de 2012, o texto precede o evento da Rio+20, e nota-se a preocupação do urbanista em destacar discussões relevantes sobre sustentabilidade urbana.

Nabil Bonduki é doutor em Estruturas Ambientais Urbanas, livre-docente e professor de planejamento urbano pela FAUUSP, e consultor em Políticas Públicas e Habitacionais. Atuou como vereador em São Paulo, relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal e Secretário Nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.

A SUSTENTABILIDADE DAS CIDADES E A RIO+20

O Brasil é uma país de dimensão continental, que apresenta uma das mais baixas densidades demográficas brutas do mundo e onde, é bom dizer, a situação não é tão grave como em outros países emergentes e pobres. Concentrado em uma pequena parcela do território , esse processo urbano convive com fortes impactos socioambientais. Em 2010, 85% da população brasileira (165 milhões de pessoas) vivia concentrada em apenas 0,6% do território nacional. A concentração é tal que 60% da população urbana do país vive em apenas 230 municípios.

O modelo de crescimento urbano que vigora na maior parte dos países com acelerado crescimento, como o Brasil, é insustentável do ponto de vista socioambiental. Está marcado por processos urbanos e econômicos como apropriação privada da terra e remoção forçada de populações, especulação imobiliária, altas densidades com ocupação horizontal nos assentamentos humanos precários, acentuada desigualdade socioterritorial, e priorização do automóvel – elementos que provocam fortes impactos ambientais.

Esses processos criam graves consequências para a qualidade de vida humana das cidades, como ausência de esgotamento sanitário e poluição dos cursos de água; destinação final dos resíduos sólidos em lixões de onde milhares de catadores, em condições subumanas, retiram sua sobrevivência; contaminação do solo, subsolo e recursos hídricos com substâncias químicas persistentes, gerada pelo processo produtivo; carência de espaços públicos; depredação de áreas verdes e violação da proteção permanente aos cursos de água e nascentes; contaminação do ar e a inevitável repetição de desastres naturais de diferentes tipos.

É desnecessário dizer que as populações mais pobres e frágeis são as que sofrem mais intensamente os problemas ambientais gerados por esse processo urbano, como são os “desastres naturais”.

O que surpreende é que, muitas vezes, ouve-se dizer que a preocupação ambiental é coisa dos países e dos segmentos sociais mais ricos e privilegiados, que já teriam “resolvido” seus problemas básicos de sobrevivência. Os mais pobres precisam cuidar antes de “coisas mais importantes”. Trata-se de uma visão equivocada, elitista e preconceituosa, que acaba por gerar processo ainda mais intensos de segregação socioterritorial. Por essa razão, a agenda da sustentabilidade urbana deve estar integrada ao ideário da reforma urbana.

Como alguns dos principais temas ambientais – mudanças climáticas e a proteção da biodiversidade, por exemplo – ganharam  nos últimos vinte anos fóruns e convenções próprias, a questão da sustentabilidade urbana deveria ocupar, na Rio+20, um papel de grande centralidade e protagonismo, já que seu caráter transversal articula meio ambiente com a inclusão social e o desenvolvimento econômico.

O Brasil, que já avançou significativamente (embora com retrocessos nos últimos anos) na conquista da função social da propriedade, tem condições de contribuir na construção de uma agenda mais consistente de sustentabilidade urbana, que poderia ser assumida como compromisso da Rio+20.
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O Brasil, como potência ambiental, não pode deixar de priorizar a agricultura familiar sustentável e temas ambientais clássicoss, como a proteção às florestas, à biodiversidade, aos biomas e aos recursos hídricos, o patrimônio genético, o combate ao desmatamento e a recomposição das Áreas de Proteção Permanente (APPs) no meio rural. Mas não podem mais ser ignoradas a chamada “agenda marrom” e a sustentabilidade urbana no rol das preocupações ambientais. Não há como desconsiderar que o lixo e o esgoto são dois dos maiores problemas ambientais do país.
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Além dos resíduos sólidos e segurança química, a agenda nacional de sustentabilidade urbana inclui temas como qualidade de vida nas cidades, qualidade do ar, mobilidade urbana sustentável, manejo da águas pluviais e drenagem urbana, áreas verdes e APPs urbanas, construção sustentável e planejamento ee gestão ambiental urbana. Para que a Rio+20 pudesse far um passo decisivo na definição de compromissos relacionados com cidades sustentáveis, seria necessário tratar com profundidade cada um desses temas, com os países se comprometendo a estabelecer estratégias, indicadores e metas para enfrentá-los.
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Os desafios da sustentabilidade urbana não formam uma agenda que se contrapões ao ideário da reforma urbana, embora esta nunca tenha enfatizado a perspectiva ambiental. Pelo contrário, essas agendas são profundamente relacionadas e complementares e devem ser articuladas, até porque sem reforma urbana não existe possibilidade de alcançar a sustentabilidade.

O processo de ocupação habitacional das Áreas de Proteção Permanente urbanas, de mananciais e de outras áreas de proteção ambiental é uma das consequências da falta de acesso à terra urbana que atinge parte significativa da população pobre, questão que está na origem do movimento da reforma urbana.  Os eventos extremos e desastres naturais que ocorrem cada vez com maior frequência nas cidades brasileiras e em São Paulo – fenômenos relacionado com a questão ambiental – somente serão enfrentados em sua profundidade quando também for garantida terra urbanizada e vem localizada para a produção de habitação social.

A unificação dessas agendas é fundamental para romper o imobilismo que se nota nos movimentos sociais urbanos e atualizá-los com uma nova perspectiva, assim como para superar certo elitismo que ainda prevalece nas lutas ambientalistas.

A mobilização que a Cúpula dos Povos promoverá no Rio de Janeiro será uma oportunidade ímpar para aproximar essas agendas e avançar em uma estratégia para a construção de cidades sustentáveis e inclusivas. Porque sem inclusão social não há sustentabilidade.

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