sexta-feira, 26 de julho de 2013

MEDIANERAS

*Graduando em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie
Depois de tanto falar dos problemas das cidades, este é o último post sobre o tema. Se nem eu mais aguento falar desse tema de que tanto gosto, imagino que os leitores já o tenham abandonado há semanas! Por isso, este artigo encerra a discussão, e prometo me afundar em silêncio profundo sobre isso!

Para finalizar a sequencia de artigos que aqui foram publicados com a intenção de discutir sobre os problemas das cidades brasileiras, este post não vai tratar de textos escritos por urbanistas, arquitetos, antropólogos ou cientistas sociais. Neste último texto da série, veremos como as cidades são descritas por meio do filme “Medianeras – Buenos Aires na Era do amor virtual”. Dirigido por Gustavo Taretto, o longa argentino mostra de maneira engraçada e leve a dura realidade de um casal numa metrópole subdesenvolvida. Como esta coluna não é dedicada às discussões cinematográficas, este artigo não pretende fazer uma crítica ao filme. O intuito aqui é extrair do texto somente aquilo que foi falado sobre Buenos Aires.

Para os mais atentos, que já estão se perguntando qual o motivo de ver uma descrição de Buenos Aires, já que esta série trata de cidades brasileiras, eu adianto a resposta: o processo de urbanização das cidades latino-americanas foi muito similar, principalmente nas grandes metrópoles. Isso gerou características e problemas parecidos, de forma geral, em muitas capitais e grandes cidades. Essa premissa nos autoriza a fazer comparações, de forma que as interpretações podem ser bastante semelhantes. São avaliações mais poéticas, mas, como sempre, muito válidas.

Portanto, aqui escrevo trechos do filme. Entretanto, nada melhor que assisti-lo para que as imagens reforcem os argumentos.


MEDIANERAS

Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade superpovoada num país deserto. Uma cidade onde se erguem milhares e milhares de prédios sem nenhum critério. Ao lado de um muito alto, tem um muito baixo; ao lado de um racionalista, tem um irracional; ao lado de um em estilo francês tem um sem nenhum estilo. Provavelmente essas irregularidades nos refletem perfeitamente. Irregularidades estéticas e éticas.

Esses edifícios que se sucedem sem nenhuma lógica, demostram total falta de planejamento. Exatamente assim é a nossa vida que construímos sem saber como queremos que fique. Vivemos como que está de passagem por Buenos Aires. Somos criadores da cultura do inquilino.

Os apartamentos se medem por cômodos. Vão daqueles excepcionais com sacada, sala de recreação, quarto de empregada e depósito, até a quitinete “caixa de sapato”.

Os prédios, como muitas coisas pensadas pelos homens, servem para diferenciar uns dos outros. Existe a frente e existe o fundo; andares altos e andares baixos. Vistas e claridades são promessas que poucas vezes se concretizam. O que se pode esperar de uma cidade que dá as costas para o seu rio?

Estou convencido que as separações e os divórcios, a violência familiar e o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são culpa dos arquitetos e incorporadores.

[As ervas daninhas] brotam nos cimentos, crescem onde não deveriam. Com paciência e vontade exemplares, erguem-se com dignidade. Sem estirpe, selvagens, inclassificáveis para a Botânica. Uma estranha beleza cambaleante, absurda, que enfeita os cantos mais cinzentos. Elas não têm nada e nada as detém. Uma metáfora de vida irrefreável, que paradoxalmente, me faz ver a minha fraqueza.

 Todos os prédios, todos mesmo, têm um lado inútil. Não serve para nada. Não dá para frente nem para o fundo. A medianera (em português, a empena). Superfícies enormes que nos dividem e lembram a passagem do tempo, a poluição e a sujeira da cidade. As medianeras nos mostram nosso lado mais miserável. Refletem as inconstâncias, as rachaduras e as soluções provisórias. É a sujeira que escondemos embaixo do tapete. Só nos lembramos dela as vezes, quando submetidas ao rigos do tempo, elas aparecem sob anúncios. Viraram mais um meio de publicidade que em raras exceções conseguiu embelezá-las. Em geral, são indicações dos minutos que nos separam das lanchonetes e dos supermercados. Anúncios de loterias que prometem muito em troca de quase nada.

Para a opressão de viver em apartamentos minúsculos, existe uma saída. Uma rota de fuga.Ilegal, como toda rota de fuga. Em clara desobediência às normas do planejamento urbano, abrem-se minúsculas, irregulares e irresponsáveis janelas, que permitem que alguns milagrosos raios de luz iluminem a escuridão em que vivemos.

Quando vamos ser uma cidade sem fios? Que gênios esconderam o rio com prédios e o céu com cabos? Tantos quilômetros de cabos servem para nos unir ou para manter-nos afastados, cada um em seu lugar? A telefonia celular invadiu o mundo prometendo conexão sempre. Mensagem de texto: uma nova linguagem adaptada para 10 teclas que reduz uma das mais belas línguas a um vocabulário primitiva, limitado e gutural. “O futuro está na fibra ótica” dizem os visionários. Do trabalho, você vai poder aumentar a temperatura da sua casa, mas claro, ninguém estará te esperando com a casa quentinha. Bem-vindos à era das relações virtuais.

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