sexta-feira, 5 de julho de 2013

ERMÍNIA MARICATO

*Graduando em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie

Durante o mês de julho, esta coluna publicará textos de arquitetos e urbanistas que tratam dos problemas das cidades. Os últimos textos aqui escritos vêm tratando desse tema, entretanto, prefiro me apoiar em críticos com mais experiência para que minha fala não se torne mais do mesmo. Serão quatro publicações que explicam alguns problemas de nossas cidades, e começo por esse texto da professora Ermínia Maricato, Cidades no Brasil: sair da perplexidade e passar à ação.

Ermínia Maricato é graduada, mestre, doutora e livre docente pela Faculdade de Arquitetura da USP, onde também atua como professora titular. Atualmente é visitante do Instituto de Economia da Unicamp. Foi professora visitante do Center of Human Settlements da Universidade de British Columbia e da Witswaterand University de Johannesburg. Coordenadora do curso de pós-graduação da FAU/USP . 

Presidente da comissão de pesquisa da FAU/USP e membro do Conselho de Pesquisa da USP. Fundadora do LABHAB- Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU/USP. Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Municipio de São Paulo.

Cidades no Brasil
Sair da perplexidade e passar à ação

Um sentimento de perplexidade parece acometer profissionais, acadêmicos e parte da população urbana que acompanham as mudanças pelas quais as cidades brasileiras estão passando. Essa constatação tem sido feita nas inúmeras cidades onde tenho feito palestras e conferências. Os comentários se concentram, principalmente, no engarrafamento viário, onde multidões perdem horas inúteis paradas e na especulação imobiliária que cria torres e mais torres em bairros de ruas já congestionadas e com insolação comprometida.

De fato, a atual tsunami que vivemos nos últimos 5 anos em todo o país tem origem quando a venda de automóveis, incentivada pelos subsídios, passa a marcar recordes por um lado e o Programa Minha Casa Minha Vida, lançado em 2009, coloca em prática os mecanismos de financiamento, securitização e registro cartorário, além da liberação de recursos públicos, semipúblicos e privados. Essas medidas impactaram cidades que já carregavam uma herança pesada gerada pelo desprezo ao interesse público, social e ambiental, subordinados, historicamente, a interesses privados.

As iniciativas do governo federal pretenderam, e durante um certo tempo conseguiram, fazer frente à crise internacional de 2008, mantendo o crescimento da economia e do emprego no Brasil. Entupidas por automóveis e vivenciando uma explosão nos preços dos imóveis (“a mais alta do mundo”, segundo a revista Exame de maio de 2011), as cidades, no entanto, estão passando por um impacto profundamente negativo. Queixa-se a classe média, mas os que mais sofrem são os despejados, os que moram em favelas incendiadas e os que estão sendo empurrados para novas periferias, mais distantes ainda como para a Área de Proteção dos Mananciais, ao sul, e para o norte da metrópole paulistana.

Vive-se o paradoxo dos efeitos caóticos e predatórios exatamente quando um governo federal decidiu, após 29 anos, retomar o investimento público em habitação e saneamento. Caso os municípios cumprissem seu papel constitucional de dar prioridade ao transporte coletivo, controlar o uso do solo seguindo as leis e os planos diretores e regulamentar a atividade imobiliária visando o interesse social, orientado pelo Estatuto da Cidade, esse impacto poderia ser bem menos violento. Mas não é o que acontece.

Não vamos repetir aqui as consequências desse modelo de crescimento para a saúde e para o meio ambiente. Basta ler o que foi escrito no ano de 2012, nesta mesma Carta Maior ou procurar sites que trazem dados preocupantes como saúde e sustentabilidade.

Em muitas cidades a lei tem sido “flexibilizada”, na Câmara Municipal, nos gabinetes ou nos Conselhos da “sociedade civil”. Como sempre, no Brasil, a lei tem sido aplicada de acordo com as circunstâncias. Não é pouco frequente observar que há juízes que não conhecem leis urbanísticas, especialmente quando se trata de despejos de favelas ou de comunidades pobres, de um modo geral.

Como parte desse quadro, a recente articulação construída por empreiteiras de construção pesada (que estão incorporando a atividade imobiliária entre seus negócios) com as empresas imobiliárias constitui uma força que não encontra adversários à altura. A relação com o financiamento de campanhas eleitorais pode amolecer até os mais recalcitrantes. Os que resistirem são atropelados. Os megaeventos – Copa do Mundo de Futebol, Olimpíadas e a Exposição Tecnológica, que está sendo prevista na zona norte de São Paulo, potencializam o poder dessa máquina voraz que se combina também aos capitais que vêm de fora nessas oportunidades.

É estranho como nessas iniciativas ligadas ao urbanismo do espetáculo estão plasmadas a ideia de progresso. Mesmo quando o movimento promove a exclusão social pela especulação (renda fundiária, imobiliária e financeira), mesmo quando alguns capitais desmontam a possibilidade da racionalidade social e ambiental, a aparência é de progresso para a qual muito contribuem os veículos de comunicação.

Tenho ouvido de profissionais arquitetos, urbanistas, engenheiros, advogados, geógrafos afirmações indignadas sobre a violação das competências legais, ou sobre a violação das posturas do Plano Diretor ou de determinadas leis. Todos cobram dos prefeitos e dos vereadores a reação a determinados fatos (embora haja vereadores e prefeitos que também estão perplexos). Todos têm denúncias para fazer. Enfim, ouço pessoas indignadas, mas... paralisadas.

O recuo observado nos movimentos sociais durante os últimos 10 anos também parece contribuir com esse quadro.

Vou repetir aqui o que tenho dito nessas ocasiões frequentes.

Os capitais, os prefeitos e os vereadores também respondem à correlação de forças e à voz que vem das ruas. Isso é óbvio, mas não parece. É preciso passar da perplexidade para a ação. É preciso entender o que está acontecendo e agir, cada entidade, cada movimento e cada pessoa dentro das entidades e dos movimentos. Agir com criatividade, com inventividade, de forma inovadora, porque o mundo está mudando. Aí estão as redes sociais, os boletins, as revistas, às quais temos acesso.

São Paulo, por exemplo, é, dentre 24 metrópoles mundiais, a que apresenta o pior quadro de doenças emocionais (depressão e ansiedade mórbida, por exemplo). Nossa vida urbana atual produz patologias como revelam as pesquisas dos professores da USP (1). Para quem não quiser ler as pesquisas sobre o assunto, recomendo parar para observar, por alguns momentos, o comportamento das pessoas no trânsito para perceber o nível de stress, raiva, mau humor, nervosismo. Como aguentamos conviver com isso? Você já pensou na vida dos motoristas de ônibus? Aliás, poucas pessoas têm sensibilidade (ou tempo) para observar o outro. A vida parece estar escorrendo pelas mãos (e, de fato, está).

As atuais taxas de emprego devem ser festejadas, mas existem outras formas, menos predatórias, de promover empregos na indústria automobilística e na construção civil.

Apenas repito que não podemos e não devemos nos conformar com isso.

FONTES:

Artigo original: MARICATO, Ermínia. Cidades no Brasil: sair da perplexidade e passar à ação. Carta Maior, Carta Maior, 11 mar. 2013 .
1

Ver website do Instituto Saúde e Sustentabilidade .

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