De que são
feitas as identidades culturais de um povo? Quais são os ingredientes que
formatam o jeito de ser e de viver de uma gente? O que vai no “caldo de
cultura” de uma nação e a faz única, particular?
Uma das coisas
mais agradáveis, para mim, ao visitar uma cidade, país ou mesmo um bairro é
sentir o sentimento de “singularidade” daquela comunidade. O jeito de falar, de
vestir, de comer, de interagir com o outro é muito entusiasmador. Tinha essa sensação quando era criança ao
visitar algum parente. Ao sair da rotina da casa dos meus pais e ao provar de
temperos diferentes na comida servida por um tio ou pelos meus avós; ao ouvir
outras conversas e temas que não eram, a priore do meu interesse; ao assistir a
outros programas de tevê, sem ao menos poder me queixar com quem quer que
fosse... Tudo isso ia me forjando um ser humano melhor. Era por meio da
diferença, da multiplicidade de pensamentos – nem sempre convergentes com os meus
– que eu, paulatinamente, ia sendo melhorado do ponto de vista dos valores, das
relações humanas.
Sou serevino,
já disse isso algumas vezes por aqui. E, apesar das muitas desvantagens em
sê-lo, há uma imensa vantagem: experenciar as nuanças da vida. Já morei em São Paulo
– a megalópole brasileira – e, já há alguns anos, resido em Araçatuba. Tenho em
mim uma multiplicidade de relações que – se não me fazem melhor – instigam-me a
ser melhor. Ao mesmo tempo, convivo com altos intelectuais do Brasil e do mundo
e com catireiros, artesãs de “fuxico”, das flores de meia de seda... Num final
de semana estou sentado a conversar com doutores da Unesp e da Usp, trocando
figurinhas sobre leitura, literatura e livros e, às vezes, no mesmo final de
semana, comprando galinha caipira e tomando um café gostoso com moradores da
Água Limpa.
E assim, com
diria Drummond, de tudo vai ficando um pouco. É desse substrato da vida que
nossa alma vai sendo formada. Desse amálgama de vivências vamos sendo
construídos diariamente. Sob as relações que mantemos com o outro – daí a opção
em nossas relações ser também importante – é que vou construindo a mim mesmo e
ao meu próximo.
Tenho dentro de
mim cavalos e cavaleiros, bordadeiras, rendeiras, serralheiros, pedreiros...
Habitam em mim mestres e doutores, escritores, poetas, pesquisadores...
Passeiam por dentro de mim contadores de histórias, causistas, velhos e velhas
com cafés passados no coador de pano e broas de milho assadas sobre o fogão à
lenha... Há em mim análises aprofundadas sobre foco narrativo e percurso
diegético, descritos com detalhamento tal que, acredito, é uma outra fantasia
dentro da própria fantasia analisada... Convivem comigo fidalgos e plebeus, escargôs
e ovo frito, Machado de Assis e Paulo Coelho...
Vivo permitindo-me
viver. Estou aberto às muitas experiências da vida. Dela vou provando um prato
aqui, trocando uma impressão acolá, observando, sentindo, procurando falar cada
vez menos e ouvir cada vez mais... Assim, extraindo o que entendo de melhor
para mim, mas também não relutando se mais adiante percebo que me equivoquei; lanço
a ideia fora na hora. Essa coisa de ideia fixa, de apego demasiado ao que quer
que seja, faz tempo que extirpei de mim.
Antonio Luceni é mestre em
Letras, jornalista e escritor. Diretor de Integração Nacional da União
Brasileira de Escritores – UBE e acadêmico da Academia Araçatubense de Letras –
AAL.
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