terça-feira, 14 de maio de 2013

Tropeiros, rendeiras, doutores e poetas




De que são feitas as identidades culturais de um povo? Quais são os ingredientes que formatam o jeito de ser e de viver de uma gente? O que vai no “caldo de cultura” de uma nação e a faz única, particular?
Uma das coisas mais agradáveis, para mim, ao visitar uma cidade, país ou mesmo um bairro é sentir o sentimento de “singularidade” daquela comunidade. O jeito de falar, de vestir, de comer, de interagir com o outro é muito entusiasmador.  Tinha essa sensação quando era criança ao visitar algum parente. Ao sair da rotina da casa dos meus pais e ao provar de temperos diferentes na comida servida por um tio ou pelos meus avós; ao ouvir outras conversas e temas que não eram, a priore  do meu interesse; ao assistir a outros programas de tevê, sem ao menos poder me queixar com quem quer que fosse... Tudo isso ia me forjando um ser humano melhor. Era por meio da diferença, da multiplicidade de pensamentos – nem sempre convergentes com os meus – que eu, paulatinamente, ia sendo melhorado do ponto de vista dos valores, das relações humanas.
Sou serevino, já disse isso algumas vezes por aqui. E, apesar das muitas desvantagens em sê-lo, há uma imensa vantagem: experenciar as nuanças da vida. Já morei em São Paulo – a megalópole brasileira – e, já há alguns anos, resido em Araçatuba. Tenho em mim uma multiplicidade de relações que – se não me fazem melhor – instigam-me a ser melhor. Ao mesmo tempo, convivo com altos intelectuais do Brasil e do mundo e com catireiros, artesãs de “fuxico”, das flores de meia de seda... Num final de semana estou sentado a conversar com doutores da Unesp e da Usp, trocando figurinhas sobre leitura, literatura e livros e, às vezes, no mesmo final de semana, comprando galinha caipira e tomando um café gostoso com moradores da Água Limpa.
E assim, com diria Drummond, de tudo vai ficando um pouco. É desse substrato da vida que nossa alma vai sendo formada. Desse amálgama de vivências vamos sendo construídos diariamente. Sob as relações que mantemos com o outro – daí a opção em nossas relações ser também importante – é que vou construindo a mim mesmo e ao meu próximo.
Tenho dentro de mim cavalos e cavaleiros, bordadeiras, rendeiras, serralheiros, pedreiros... Habitam em mim mestres e doutores, escritores, poetas, pesquisadores... Passeiam por dentro de mim contadores de histórias, causistas, velhos e velhas com cafés passados no coador de pano e broas de milho assadas sobre o fogão à lenha... Há em mim análises aprofundadas sobre foco narrativo e percurso diegético, descritos com detalhamento tal que, acredito, é uma outra fantasia dentro da própria fantasia analisada... Convivem comigo fidalgos e plebeus, escargôs e ovo frito, Machado de Assis e Paulo Coelho...
Vivo permitindo-me viver. Estou aberto às muitas experiências da vida. Dela vou provando um prato aqui, trocando uma impressão acolá, observando, sentindo, procurando falar cada vez menos e ouvir cada vez mais... Assim, extraindo o que entendo de melhor para mim, mas também não relutando se mais adiante percebo que me equivoquei; lanço a ideia fora na hora. Essa coisa de ideia fixa, de apego demasiado ao que quer que seja, faz tempo que extirpei de mim.


Antonio Luceni é mestre em Letras, jornalista e escritor. Diretor de Integração Nacional da União Brasileira de Escritores – UBE e acadêmico da Academia Araçatubense de Letras – AAL.

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