É comum associarmos a gastronomia à sofisticação,
ao requinte, ao luxo; porém o conceito vai além desses estereótipos.
Gastronomia etimologicamente vem de gastro
= estômago e nomia = leis e regras,
mas não é somente isso. A cultura alimentar de um povo, a arte culinária com
suas técnicas milenares transmitidas de geração a geração, as habilidades
necessárias na confecção das receitas, os ingredientes específicos de cada
parte do mundo, as combinações entre sabores, aromas, formas, cores e texturas
fazem deste universo uma "galeria de arte" com diversificadas
expressões artísticas e talentosas escolas de formação.
É neste rico contexto de informações que
complementam o ato de se alimentar, não somente o de nutrir fisicamente que a
cultura gastronômica se insere. Aqui neste espaço trataremos do assunto em
pauta com simplicidade aproximando você leitor deste universo em sua essência
principal, a de ser arte e de satisfazer o espírito.
Nesta relação que se estabelece com a arte, o comer
(alimentar-se) e o prazer estão diretamente relacionados. Se desconsiderarmos
apenas a função nutricional da refeição, só nos restaram as recordações da
motivação essencial, afinal também comemos e bebemos como um ato social,
reunir-se “senta-se à mesa" em caráter ritual cotidianamente “comer fora”
ou “jantar em casa”, “almoço de domingo” com a família ou amigos, “jantar de
negócios” para diferentes tratativas, ou para celebrar uma data especial
(natal, páscoa, ano novo, aniversários, casamentos etc.), e por que não, mesmo
desacompanhado, experimentar um prato típico ou exótico que sempre lhe
apeteceu? O prazer de uma refeição está em associar o paladar e o aroma às
sensações que sobrevêm de circunstâncias diversas, lugares especiais, fatos
simbólicos, objetos inusitados e pessoas queridas.
Uma diferenciação necessária a fazer é a do
cozinhar por necessidade. O trabalho doméstico das donas de casa, mães de
família ou empregadas que todos os dias quebram a cabeça com o que fazer para o
almoço ou jantar, e neste afã da criatividade, se perdem em meio às restritas
opções que os hábitos alimentares comuns aos cidadãos de uma mesma etnia lhe
impõem. Certamente mais prazeroso é executar uma receita da culinária clássica
ou da cozinha internacional, para uma ocasião especial à seus pares, como
demonstração de suas habilidades técnicas e alquimia dos temperos que
personalizam sua produção e talento. Há algo em comum nestas duas situações, o
ato de pensar o alimento! A primeira, mais restrita e concisa, dependente do
que “tem para hoje”, em sua dispensa e geladeira, a segunda com infinitas
possibilidades diante do vasto acervo gastronômico difundido pela cultura
mundial.
O pensar o alimento vai além desta tônica. As
receitas que encontramos nos livros, na internet, na TV ou no caderninho de
receita das avós, não trazem todas as informações e detalhes de uma ficha
técnica, está aí o grande desafio para os “pequenos e destemidos chefes”.
“Como cortar ou processar determinado ingrediente? Quanto tempo devo
deixar isso no fogo ou para gelar? Mais duro ou mais mole? Como funciona este
equipamento ou utensílio? Coloco isso ou aquilo primeiro?” Neste caso, a ordem
dos fatores altera consideravelmente o produto final. É preciso pensar o que
vai servir e o que acompanha, qual o horário e ocasião, ler a receita para
organizar o plano de ataque (por onde começar), pesquisar detalhes daquela
cultura original do prato definido para antes de mais nada dominar a técnica,
seja ele doce ou salgado, quente ou frio, de cortar ou cremoso, tudo isso
prevendo o impacto que causará aos comensais, é isto que nos traz um sentimento
intrigante e desafiador no ato de cozinhar.
É neste sentido que afirmo “a gastronomia não está
longe e inatingível”, pelo contrario, ao pensar o alimento estamos dedicando
afetividade a ele, e este ingrediente não se encontra para poder comprar nem
nos mais requintados empórios das grandes metrópoles. Está no coração, na alma,
no sentimento, na vida... É bem simples, você pode combinar os mesmos insumos
do dia a dia de diferentes maneiras e o resultado consequentemente será
surpreendente. Mesmo em restaurantes que costumeiramente frequentamos quando
nos alimentamos fora de casa, rapidamente no intervalo do trabalho, mesmo
procurando padronizar sua produção diária, às vezes, notamos total diferença de
paladar. Gosto da gastronomia por isso, não é ciência exata mesmo para a esfera
comercial de A&B (alimentos e bebidas), onde empresários precisam
equacionar e cuidar do seu produto e serviço com máxima atenção, pois a mão que
“balança o berço”, que “conduz o fogão”, que “toca o piano” muitas vezes não é
a que administra os negócios.
A gastronomia compreende um ato simples do pensar,
idealizar e fazer, executar e assim satisfazer ao próximo e satisfazer a si
mesmo com o resultado de sua produção. Motive-se a conhecer culturas
alimentares, tendências do mercado, ingredientes exóticos, insumos orgânicos ou
manufaturados, produções e dicas sobre este assunto que alimenta tanto o
organismo como a alma.
Hélerson Balderramas é mestre em Turismo e Hotelaria. Professor universitário, entre outros, no curso de Nutrição do UniToledo.
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