segunda-feira, 12 de março de 2012

AINDA HÁ



Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com




Infelizmente, ainda há...

Ainda há nas ruas pessoas passando fome e sofrendo toda sorte de barbáries por conta de delinquentes, a rigor, filhos do leite de cabra, do pão-de-ló, dos colégios caros, que veem os demais à sua volta como reles vassalos, além, é claro, dos outros filhos das trevas que, por estarem com os olhos vendados pela ignorância, não permitem que lhes resplandeça a luz da razão, do bom senso, da humanidade...

Ainda há nas ruas pessoas caídas no chão, servindo de tropeço pra tanta gente que, ao menos, se importa com tal imagem agressiva – ao menos deveria ser – aos olhos humanos. Noutro dia quase tropecei num destes, saindo de uma mercearia. O que o tinha levado ao chão? Será que teria sido droga? Será que teria sido uma vertigem? Será que teria sido agredido? Oh, meu Deus, será que era menino ou menina? Não sei. Não era possível saber. Estava tão embrulhado no chão, tão monocromático com suas roupas sujas e sua pele escura que praticamente ficava camuflado naquele canto de chão, de uma noite escura.

Ainda há pessoas pedindo cestas básicas no horário do almoço, basta ligar a televisão e ver. Às vezes, o pedido vem de nosso bairro, de nosso quarteirão, de nossa rua. Será que não é o nosso vizinho? Qual será o número da casa? É preciso do número porque não conheço o nome dele, não sei se ele está desempregado, se ele está precisando de ajuda. Será o meu vizinho?

Ainda há pessoas em filas subumanas esperando por uma migalha de comida, por um trapo a que chamam de cobertor, por um analgésico que é panaceia: sara dor de cabeça, dor de estômago, dor de dente e outras dores. Se brincar, sara até hemorragia, faz transplante de fígado e coração...

Ainda há gente escrevendo de qualquer jeito e pensando mais de qualquer jeito ainda, porque a escola ensina a fazer contas, ensina um português ruim, mas não ensina lições mais preciosas ainda: gente é pra ser feliz, gente é pra amar gente, gente é pra colaborar com gente...

Infelizmente, há muita coisa pra se mudar ainda. Numa sociedade como a nossa que privilegia o TER – ter carro, ter casa, ter muito dinheiro, ter relógio de marca e todas as parafernálias tecnológicas – ao invés de privilegiar o SER – ser gente humilde, ser companheiro e fraterno, ser um propagador da paz –, há que se mudar muita coisa ainda.

O Brasil se orgulha hoje – e é preciso que se orgulhe mesmo – de ser uma das cinco potências mundiais, mas há muita coisa pra mudar ainda. Nos rankings da educação e da cultura, nos rankings da justiça social e distribuição de renda, nos rankings do respeito à diversidade há muitos degraus a subir ainda.

É, ainda há muito o que se fazer...

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor. Membro e diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.

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