domingo, 6 de março de 2011

NO PAÍS DO CARNAVAL

Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com


Sobravam reis na festa. Cada qual com sua coroa mais elaborada, mais enfeitada, mais cheia de disque-dique, uma com mais brilho que a outra em lantejoulas, paetês e gliter. Cada qual com o seu manto mais enorme, com metros e mais metros de tecido de veludo, com babados e flu-flus, com pares e mais pares de vassalos a segurá-lo na extensão da festa (um ficava esbarrando no outro e gabando cada qual sua real realeza). Cada qual com seu cetro real, peça fálica do repertório que lhes garantia macheza, impavidez, tanto grossos quanto compridos, de tal modo que se entrecruzavam no vão alto do pé-direito do salão.
Sobravam rainhas na festa. Cada qual com suas tangas, minúsculas tangas que mais pareciam cordões de pendurar lambaris e caranguejos. Em cada cordão dez, mas se der uma choradinha, só paga nove. E os trancos dos quadris eram tão surpreendentes que quase iam de um lado ao outro do salão esbarrando em outros tantos foliões e chegavam a incomodar alguns. (Mas tudo era folia, tudo era alegria no país do carnaval...).
E onde estavam os súditos? Para onde foi Todo-mundo? Os súditos estavam ocupados (os poucos que restaram) a segurar os mantos reais. Todo-mundo estava de olho nas buzanfas das rainhas, nos minúsculos fios que se pretendiam cobrir-lhes o sexo. “Busquem água para real realeza!!!”, “Troquem o manto da real realeza!!”, “Limpem o suor da real realeza!”... E a garganta continuava seca, matavam a sede na saliva. O manto cada vez mais ensopado e no rosto as gotas de sal líquido embaçavam as vistas...
Os fios foram arrebentados, para a alegria da moçada. E aí que o samba no pé aumentou. Mantos devidamente ignorados, agora já eram estorvo. Os cetros já estavam pesando o dobro do que pesavam no início do baile e ninguém mais sabia o que fazer com eles. Uns sugeriam: “Enfiem naquele lugar!!!”, outros diziam: “Batam com eles em vossas cabeças!!”, “Ficaria bem se saíssem voando para bem longe daqui, como nos contos de fadas!”... A real realeza tinha sucumbido na festa e todos davam lugar aos parvos e arlequins...
Desfeitas as realezas. Rompidas as formais aparências, cada qual se portava como aquilo que era de fato. Alguns começaram a encher a cara, soltaram a franga (então solicitaram imediatamente uma farda de penosa para continuarem na festa). Outros começaram a rastejar e a comer restos e sobras de comidas, bebidas, confetes e serpentinas caídas pelo salão (foi inevitável a vestimenta de porco para contentar-lhes no baile). Para uns o bacanal foi a única solução: aliviar a tensão que tanto seguraram de uma vida “correta” e cheia de dedos, das formalidades reais, dos compromissos protocolares e cheios de firula. (Tudo era festa no país do carnaval!).
Tinha rei demais, o que conferia ao gesto festivo certa notoriedade e os flashes eram infindáveis. As rainhas também em número grande, mas como vestidos lhes faltavam (e as nádegas lhes sobravam) só dava cirurgião deixando cartão, de mão em mão, e representantes vários de reality shows e programas sensacionalistas querendo uma boquinha para o dia seguinte, depois da festa, quando o reino voltaria ao “normal”.
Aí os súditos apareceriam, com vassoura e rodo na mão, no país do Carnaval. 

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, Diretor de Integração Regional da União Brasileira de Escritores – UBE.

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