domingo, 20 de junho de 2010

Saramago para o corpo e a alma









Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com

José de Sousa Saramago nasceu em Portugal em 1922. Era para ter sido registrado com o mesmo nome do pai, mas o tabelião acrescentou o apelido que o deixaria conhecido no mundo todo: Saramago, que também dá nome a uma planta que serve de alimento para os pobres em tempos difíceis. Aí, as disgressões de sempre:
a) Desde o início estava fadado a agir do lado mais fraco, o lado da precariedade da vida. Se saramago era ração para pobres, Saramago também o foi. Eu que sou plebeu, que não tenho pedigree, vira-lata cultural e intelectual. A mim me interessa a piadinha do boteco de esquina aos mais cátedros níveis intelectuais. Saramago serviu para matar minha fome.
b) Meu Deus! Mais uma vez essa: literatura como alimento para famintos. Lembro-me de seu Ensaio sobre a cegueira. Quase fiz par com a multidão de zumbis do livro, tal forte e eficaz a estrutura do texto sem paragrafações, travessões ou quaisquer outros artifícios linguisticos que contribuissem para uma leitura às “claras”. Mas a esperança apareceu no final do túnel (vindo de um amuado, um final surpreendente).
c) Na possibilidade de os menos afortunados se colocarem na vida e se fazerem escutar por meio da literatura. Assim como milhões de brasileiros, Saramago era de origem humilde, quase não pode cursar uma faculdade e seu primeiro livro, segundo informações ventiladas na mídia, conseguiu aos 19 anos, com dinheiro emprestado de um amigo. Quanta demora para um encontro com algo que faria parte da sua vida e morte (ele estava lá, nas mãos de alguns em meio à multidão, se despedindo de seu criador. Agora, é a criatura que irá continuá-lo).
d) Um comunista, um revolucionário que usou de uma arma tão eficaz a ponto de censurá-lo em seu próprio país e, mesmo não sendo formal a postura, o exílio foi sua melhor opção. É, a palavra é penetrante e eficaz como uma espada de dois fios. Livros seus foram proibidos (mas o homem escrevia ficção, minha gente). Quem tem medo de lobo mau?!
Fiquei pensando nessas coisas. Fiquei pensando o quanto saramago faz bem pra gente. Fiquei pensando o quanto Saramago teria deixado falta se não passasse por aqui. Agora, está noutra parte do universo provocando, observando tudo, quem sabe escrevendo um novo livro? De uma coisa podemos estar certos: vai continuar alimentando muita gente.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE.

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